O livro A Vida Peculiar de um Carteiro Solitário do autor canadense Denis Thériaut conta em 148 páginas a história de Bilodo, um carteiro que vive sozinho e não tem amigos, apenas colegas. Bilodo, que preenche o seu vazio lendo as correspondências dos clientes e exercitando a arte da caligrafia, se interessa pelas correspondências de uma professora residente em Guadalupe, Ségolène, que endereça suas cartas à Gaston, um professor e poeta, morador do mesmo bairro de Bilodo. Entretanto, o único conteúdo são poemas japoneses conhecidos como haikai, que o professor envia um em cada carta, o que acaba por levar o carteiro ao mundo da literatura japonesa.
Após um acontecimento trágico, Bilodo assume a identidade de Gaston, mantendo a troca de cartas com Ségolène, por quem uma paixão havia se instalado no seu coração, e a única forma de sustentar essa ilusão, era manter a troca de correspondências. Ele sente esse amor como “puro” para justificar seu crime. Ele vê nos seus colegas um espírito vil, desprezível, mantendo-se ainda mais distante deles, em suas compulsões pela degradação e libertinagem. A sua ordem interior é quase ascética, se não fossem os seus “arroubos” em ler a correspondência alheia. Para ele, os demais seres, encontram-se em um estado de constante imoralidade e exibicionismo muito modernos, preferindo o lirismo dos haikais, a sutileza das palavras, a singeleza dos traços, a esperança no sonho, e a alma preenchida pelo belo, inocente, puro. Por causa de um golpe de Robert que descobre sua trapaça, Bilodo vê o seu mundo desmoronar por completo, e a única pessoa que o amava, como realmente era, Tania, torna-se também inimiga, ele não vê mais motivos para continuar seguindo.
Impressões de leitura: Eu sou da época de troca de cartas, de aguardar o carteiro para ter notícias de uma pessoa que está longe. Nesse mundo digital e moderno, a comunicação trouxe as pessoas à um toque dos dedos, e mesmo assim, as pessoas encontram-se mais solitárias, deprimidas, vulneráveis e, em alguns casos, su1cid@s. O su¡cídi0 tem sido a “saída” para a debilidade dos homens modernos, assim como os prazeres rápidos como, sexo inconsequente, drogas, muito álcool, esportes de “adrenalina” e outras “loucuras” que fazem seus praticantes se sentirem vivos, são placebos para aplacar a angústia e dor na alma, e pra isso chega a quebrar regras, infringir leis, para satisfazer os anseios mais íntimos. Por isso quando a ordem e a harmonia são quebradas, o personagem dessa história vai ao desespero quando descoberto por Robert, expondo-o.
É um livro que se propõe a ser leve, com uma linguagem etérea, quase sublime, mas podendo descambar, a qualquer momento, para os vícios comuns do Patriarcado: um homem que por amor, acha que pode mentir para uma mulher (no caso da morte do professor), mas é pro bem dela; pode invadir sua privacidade (no caso abrir suas cartas); sentir ciúmes do outro homem (que nem o conhece) e invadir a casa dele para descobrir coisas sobre ela; voyeurismo. Li resenhas passando pano pra ele, chamando de “curioso” “apaixonado”. Eu chamo de “obsessivo e invejoso” a ponto de roubar a identidade do outro. Um mérito para o autor, que traz a “leveza” com a narrativa dos haicais dentro do contexto. Bilodo aprenderá a escrevê-los e aprenderemos com ele, entrando em um universo de métricas e caligrafia.